Na entrevista de hoje da série “Pandemia e Política”, a APES conversa com Girlene Silva, vice-reitora da UFJF e presidente da Comissão de Monitoramento e Orientação de Conduta sobre o novo Covid-19, estabelecida na universidade no dia 12 de março. Girlene Silva fala sobre as diversas ações que a UFJF tem realizado no enfrentamento do coronavírus, exercendo sua função pública junto à sociedade e aos órgãos municipais de política e de saúde. Confira.
1) Como tem sido a atuação da UFJF junto ao poder municipal?
Desde os primeiros casos de coronavírus no mundo eu acho que o Brasil começou a observar. Quando o alerta vermelho chegou no Brasil, a UFJF e a Prefeitura iniciaram um diálogo para entender qual era o papel da Universidade nesse processo, compreendendo que a gestão do cuidado é do município. Então, a UFJF sempre teve esse cuidado. Nós não podemos assumir a gestão desse cuidado, mas nós podemos sim, nessa parceria, instrumentalizar a Prefeitura, no sentido que ela possa superar a epidemia junto conosco.
Partindo desse princípio, todas as nossas ações têm sido articuladas. Por exemplo, o momento de parar a instituição: aquilo foi baseado em dado epidemiológico, a prefeitura dialogando conosco, mostrando a tendência da epidemia, que possibilitou [o trabalho] do Comitê criado pela instituição – um Comitê que acompanha as questões específicas epidemiológicas e orienta a instituição para as decisões. Então, isso sempre foi muito balizado.
É natural que, em um processo como esse, tenha ruído no meio da comunicação, porque é tudo muito rápido e nós estamos diante de um evento muito novo. Por ser novo, ele traz consigo diversos medos, diversos receios, “até que ponto a conduta que eu estou tomando é acertada?”. Isso nós não vamos saber agora. É até interessante, porque o distanciamento social, quanto mais ele dá resultado, mais as pessoas acham que ele não é necessário.
Esse aspecto é importante que seja destacado, a Prefeitura faz essa gestão e a instituição tem contribuído com toda a sua capacidade de pessoal, de tecnologia, para que nós, junto com a Prefeitura, consigamos enfrentar essa epidemia! Acho que isso é fundamental de ser dito. Em alguns momentos, ações que, para a população, podem estar lentas, talvez por ser um evento muito novo, precisamos compreender isso.
2) Como você avalia a atuação do Comitê de Monitoramento e Orientações de Conduta sobre o Covid-19?
Eu vou fazer uma autoavaliação, porque sou presidente desse Comitê. Acho que é um Comitê que tem trabalhado de uma forma muito cuidadosa. Ele tem procurado orientações baseadas na tendência da epidemia, acho que isso é muito importante! É um Comitê que tem primado por informação, entendemos que a informação, nesse momento é a melhor estratégia.
Nós precisamos não só convencer o trabalhador da saúde, com informações corretas, de como cuidar, como assegurar um EPI, como usar corretamente, mas nós precisamos também convencer. É um trabalho de convencimento, aí a imprensa tem um papel fundamental nesse processo, que é a informação. Quanto mais eu veicular a informação correta, sobre o que a gente conhece do vírus e como eu posso me prevenir, mais sucesso nós teremos.
Então o Comitê tem trabalhado nessas frentes, todas questões que a instituição precisa tomar decisão, ela consulta o Comitê. Um exemplo foi o fechamento do Campus, quando foi decidido que toda a área de parque fosse fechada para evitar aglomerações. E uma vigilância que trabalha não na perspectiva de punir, mas de educar, explicando que não pode usar o espaço, que ele vai ser aberto no momento que tivermos tranquilidade e segurança necessárias. No momento, a tranquilidade e a segurança necessárias que nós temos, é o distanciamento social. Então, quem puder, fique em casa. Saia de casa o mínimo necessário. São essas recomendações que o Comitê está fazendo e que ele pode mudar de opinião, dependendo do perfil da epidemia, é muito importante que a população saiba disso. Num evento deste, como novo, pode ser que a gente tenha que mudar condutas, porque a medida que vai se conhecendo mais sobre o vírus, nós vamos tendo mais segurança de como podemos enfrentá-lo.
3) Com está sendo a produção de álcool gel pela UFJF? E quais unidades acadêmicas estão empenhadas na produção?
Primeiro é preciso compreender que a Farmácia Universitária é uma farmácia magistral, ou seja, todos os espaços da instituição são espaços de aula. Então, a gente não trabalha com grandes escalas. Mesmo assim, os professores, os trabalhadores, os TAEs da farmácia, residentes, estão envolvidos nessa produção.
Nós temos produzido álcool em gel e a principal demanda dele é para o município. A nossa produção diária não é grande, porque a nossa farmácia é pequena. Nós montamos um mapa para atender o município, o HU, algumas unidades da UFJF, que funcionam porque estão trabalhando no combate ao coronavírus. Mas a gente também já chegou a fornecer álcool em gel para os bombeiros, para o SAMU, para a Polícia Militar, porque faz uma abordagem na rua. E uma pequena parte foi disponibilizada para uma Unidade do Exército que necessitava, pois pela dificuldade de aquisição no mercado, a gente fez um aporte para esses espaços. Mas o nosso principal papel na fabricação de álcool em gel é atender o município de Juiz de Fora, no seu conjunto de Unidades de Saúde, dos seus agentes comunitários, consultório da rua, toda essa demanda. E o HU, a gente precisa pensar também no Hospital Universitário.
4) Segundo informações veiculadas em um vídeo com o reitor Marcus David, há unidades preparando laboratórios para realização de testes de detecção do coronavírus. Como está este processo?
Nós temos dois laboratórios na instituição com capacidade para realizar o PCR, um teste mais específico. Mas como os nossos laboratórios são laboratórios sala de aula, precisamos fazer algumas adaptações. Essa informação é importante, porque uma das nossas tratativas com o município significava, inclusive, montar esses laboratórios de uma maneira que eles estivessem preparados para atender uma demanda do município
Então, estão envolvidos professores do ICB e da Farmácio. Nós temos dois laboratórios, um localizado na Faculdade de Farmácia e outro no ICB. E temos um conjunto de pesquisadores de outras unidades, além do ICB e da Farmácia, nós temos da Medicina, com vários pesquisadores envolvidos. Esse grupo elencou tudo que a gente precisava para ter a tranquilidade necessária para realizar o teste. Nós estamos nos últimos ajustes, nossa expectativa era que na semana passada já começasse a fazer calibragem de máquinas, começasse a pensar em testes, mas tivemos dificuldade na compra de insumo, Infelizmente, quando nós achávamos que estava tudo pronto, o preço subia e nós íamos para o final da fila. Mas conseguimos comprar uma primeira remessa de material, estamos trabalhando para que, essa semana, pelo menos um dos laboratórios já comece a trabalhar. E hoje [6 de abril], nós teremos uma reunião com esse grupo de pesquisadores, até para entender melhor esse percurso e não criar uma expectativa de que nós vamos resolver o problema de testagem todo. Não, nós temos um fluxo, nós não estamos trabalhando com o teste rápido, é um teste mais específico, mais demorado, mas mesmo mais demorado, ele é um teste com possibilidade de resultado em 48h. Então, nossa capacidade é pequena, nós estamos trabalhando hoje com a perspectiva de 40 testes diários.
5) O vídeo também faz menção à realização de capacitação de trabalhadores da área de saúde pela UFJF. Como está sendo esta capacitação?
Essa parceria é com o Hospital Universitário e com o município. Por conta do distanciamento, vamos usar as mídias. A medida que essas unidades demandam, a Diretoria de Imagem tem produzido vídeos nessa perspectiva. Então o HU manda o conteúdo e a Imagem vai produzindo. A sinalização é de que nós vamos precisar produzir algo mais específico, por categoria.
6) Como está o atendimento do HU nesta situação?
O HU é para receber o paciente que precisa da internação. Num primeiro momento, o HU tinha destinado um leito. Hoje, o HU está se reestruturando, com um quantitativo maior de leitos, isso tudo tem uma pactuação com o poder municipal. Hoje, o HU está preparado para receber, está capacitado com a sua equipe, tem feito um trabalho árduo para conseguir todos os equipamentos de proteção individual, para não colocar seu trabalhador em risco. Porque os estudos mostram que, se a gente não tiver um cuidado muito especial com os nossos trabalhadores, muitos adoecerão no percurso da epidemia.
Então, hoje o Hospital tem trabalhado na perspectiva da capacitação de seus trabalhadores e na garantia dos equipamentos de proteção individual e coletiva. E também tem tido o cuidado de afastar do trabalho aqueles trabalhadores que a normativa diz: quem tem comorbidades; quem está acima de 60 anos; quem cuida do seu idoso em casa, quem tem filhos. Alguns trabalhadores do Hospital Universitário têm participado conosco do Comitê da UFJF, que tem possibilitado que a tomada de decisões seja feita de forma mais tranquila. Esse destaque à Universidade precisa ser feito. O Hospital vem trabalhando muito fortemente. Essa semana toda a equipe de trabalhadores está recebendo a vacinação contra a H1N1, que é uma estratégia importante num momento como esse. Então, o Hospital está se preparando para a epidemia.
7) Que outras ações a UFJF está realizando ou planejando realizar para enfrentar a situação atual?
Além da produção do álcool em gel, estamos preparando a produção do sabonete líquido, que ainda não começamos porque estávamos esperando os insumos. Não é uma produção pequena, mas a gente consegue produzir 250 litros de sabonete líquido por dia. Espero que não falte no mercado, mas a nossa farmácia está se preparando para isso. Nós temos um outro grupo de pesquisadores que desenvolveram a questão de protetor [EPI para profissionais de saúde]. Nós não temos um parque com impressoras 3D, mas nós estamos conseguindo realizar uma produção semanal, que atende o Hospital Universitário e atende o município, isso é importante! Nós temos um grupo que trabalhou design de máscaras, gorros e capotes, mas isso nós não temos capacidade de produzir, e o poder público local, com a indústria têxtil do município, com matéria prima, poderia participar desse processo. Nós temos mais um grupo que vem assessorando a prefeitura, no sentido de modelos e desenhos para entender melhor a epidemia, cálculos de números de leitos, que nós temos que nos preparar mesmo. Nós temos professores que hoje estão, no município, contribuindo com a organização da atenção primária, porque é a porta, definindo fluxos de atendimentos. Temos professores e técnicos envolvidos nessa ação importantíssima que é essa campanha de vacinação de H1N1. Nós fizemos durante uma semana na instituição e ela foi encerrada porque, como a vacinação foi antecipada, o risco era a gente manter uma campanha que é temporária e tirar a vacina do posto de saúde, que funciona regularmente. Então, a estratégia do município está corretíssima! Manter a vacina no posto para que o usuário daquele entorno, que é usuário daquele posto, tenha a garantia do seu imunobiológico.
Outra questão, dos exames, essa é uma estratégia importantíssima! Nós não vamos resolver o problema do município, mas entramos com uma ação que possibilita ao gestor tomar as melhores decisões. Também temos uma articulação para duplicar a informação. O grande papel nesse momento é de como a gente pega essa informação e (o termo eu não gosto) mas é de massificar, a gente precisa convencer as pessoas que o distanciamento social pode ser mais curto se eu respeitar. “Ah mas eu já estou com 20 dias”, eu tenho que convencer meu filho de 7 anos que ele não pode ir na pracinha, que o sucesso do distanciamento, se a gente aderir corretamente, ele pode acabar mais cedo.
Novas ações estão surgindo, os serviços estão sinalizando e a gente está entrando. Por exemplo: tem o grupo da pedagogia hospitalar, que está pensando formas de comunicação com as pessoas, caso entrem no hospital.
O que a Universidade está fazendo é respondendo às necessidades. A gente está muito atento à isso e respondendo à demanda, tentando responder de uma forma muito rápida, a demanda do município. Temos professores aí contribuindo nos municípios do entorno, da macrorregião. Então, está precisando de uma ajuda o prefeito, secretário da cidade, o professor orienta como tem que ser feito. A Universidade está tentando cumprir o seu papel. Não é só nesse momento que a academia é solicitada, talvez em outros momentos o produto da academia chegue mais rápido na sociedade e a gente nem perceba que foi ela que fez. O coronavírus nos obriga a fazer algo diferente, é tudo muito rápido.