Na série de artigos publicada pela APES no contexto da pandemia do Coronavírus, duas professoras colocam em debate a complexidade da Educação a Distância como modelo que tem sido defendido como solução durante a pandemia.
No artigo que segue abaixo, a professora Rafaela Reis Azevedo de Oliveira, mostra as diferenças entre a Educação a Distância, modalidade que exige uma série de recursos e capacitações específicas, e a Educação não presencial, que é o que está sendo desenvolvido pelo Brasil a fora neste momento.
E no post seguinte, a professora Daniela Mota de Oliveira, faz uma análise crítica da implementação da Educação a Distância no Brasil, tanto como solução emergencial quanto como política permanente.
Educação a Distância ou Educação não presencial?
Rafaela Reis Azevedo de Oliveira
Faced/UFJF
Em tempos de distanciamento social e as decorrentes atividades docentes mediadas pelas tecnologias digitais, importa ratificar esclarecimentos sobre o que está sendo feito: é Educação a Distância (EaD) ou Educação não presencial? É preciso termos clareza quanto a diferença entre EaD e o que professores estão realizando Brasil a fora, e que estou chamando aqui de Educação não presencial. Ambas envolvem as tecnologias na mediação e processo de ensino-aprendizagem, é verdade! Mas isso não é característica exclusiva para dizer que ambas são EaD.
Para explicar a diferença, vou trazer aqui a experiência que a UFJF desenvolve por intermédio do Centro de Educação a Distância na oferta de cursos de graduação e pós-graduação dentro do sistema Universidade Aberta do Brasil (UAB). Quando a Universidade oferece um curso pela modalidade EaD, a instituição se organiza por meio de uma significativa infraestrutura e de equipes pedagógicas, que ficam à disposição para o desenvolvimento de seus cursos. Sendo assim, como infraestrutura destaco os polos de apoio presencial, que possuem salas de aulas e laboratórios de informática que garantem o acesso do estudante ao curso. Oferece estúdio de gravação de videoaulas e também hospeda os seus cursos num ambiente próprio, que chamamos de Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA), que no nosso caso é a Plataforma Moodle.
Além disso, para que o curso aconteça, conta-se com diferentes equipes que atuam no designer instrucional, na implementação de novos recursos na Plataforma, no suporte técnico, na produção de materiais didáticos (como a edição das videoaulas, padronização de materiais que garantem identidade ao curso, etc) e com uma grande equipe pedagógica, composta de professores e tutores, bem como aquela que atua na capacitação permanente desses profissionais à EaD.
Sendo assim, o professor que atua na EaD, organiza sua disciplina, produz ou seleciona seus recursos didáticos e os traduzem para os recursos próprios do Ambiente Virtual de Aprendizagem, além de orientar seus tutores na condução da disciplina com os alunos. O processo é mediado pela tecnologia, certamente, mas envolve muitas etapas, adequações a uma linguagem e mediação que lhe são próprias e também pessoas. E tem uma coisa importante que precisa ser destacada, o aluno da EaD se dispõe previamente a fazer um curso à distância, quando concorre a uma vaga ou se inscreve num curso nesta modalidade. Ele vai ser formado, desde o início, para os recursos tecnológicos que estarão disponibilizados a ele e orientado sobre a importância de criar uma rotina de estudos. Saberá que a relação que ele vai desenvolver, mediada pelas tecnologias, será com professor e com tutor, e que, caso ele não tenha acesso à internet e a computador, poderá contar com um laboratório de informática em seu polo de apoio presencial e que lá encontrará, ainda, um outro tutor, capaz de esclarecer dúvidas mais elementares sobre as disciplinas ou sobre o uso das tecnologias.
A EaD não se realiza apenas com um vídeo gravado pelo celular e transmitido aos alunos, ainda que em outras plataformas de ensino. A EaD não prevê uma relação passiva de seus estudantes, que assistem o conteúdo de um vídeo e fazem uma tarefa e a devolvem para o professor. A EaD não se realiza com o improviso de professores. Não se realiza com a transposição de conteúdo que seria dado presencialmente (sem adaptação de linguagem, tempos e recursos), para o aluno que agora está à distância. Isso tudo não é EaD, é o que posso denominar de Educação não presencial, ou como também está sendo chamado nesse período, de Educação remota.
Não quero com essa distinção diminuir os esforços dos professores de todo Brasil, que em diferentes e, às vezes precárias, condições de trabalho (até mesmo para evitar uma demissão, quando lotados nas redes privadas), têm se dedicado a gravar videoaulas, dedicado a aprender técnicas de edição, a aprenderem utilizar aplicativos de finalidade didática e, dentre outras coisas, a perderem sua possível inibição para continuarem com suas tarefas de levar o conhecimento ao seus alunos. São esforços louváveis, sobretudo porque os professores, na grande maioria das vezes, não desenvolvem em seus processos de formação inicial o conhecimento para este fim. As discussões sobre os usos, potencialidades e possibilidades das tecnologias digitais para fins educacionais é relativamente recente nos cursos de formação de professores. Portanto, longe de criticar os seus esforços, quis, aqui, apenas contribuir na distinção entre o que é Educação a Distância e Educação não presencial.
Leia aqui o artigo Educação a Distância: a emergência do ensino em tempos de pandemia.