O Brasil foi condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), na última terça-feira, dia quatro de outubro de 2022, por “graves falências” judiciais que resultaram na impunidade dos assassinos de Gabriel Sales Pimenta, advogado de trabalhadores rurais morto a tiros em Marabá (PA), em 1982.
Segundo a sentença, publicada após o julgamento, o tribunal considerou que, por ter se omitido em relação ao cumprimento da obrigação de investigar, processar e punir os autores do crime, o Estado brasileiro violou os direitos às garantias judiciais, à proteção judicial, à verdade e à integridade pessoal, previstos na Convenção Americana de Direitos Humanos.
Em casos como o de Gabriel Pimenta, em que um defensor dos Direitos Humanos sofre violência, a Corte destacou que os Estados têm dever reforçado de empregar a devida diligência referente à investigação. Para os juízes, a omissão estatal nesse caso tem efeitos coletivos em razão do medo gerado aos outros cidadãos.
“A Corte sublinha que a violência contra pessoas defensoras de direitos humanos tem um efeito amedrontador (“chilling effect”), especialmente quando os delitos permanecem impunes. A esse respeito, o Tribunal reitera que as ameaças e os atentados à integridade e à vida dos defensores de direitos humanos e a impunidade dos responsáveis por estes fatos são particularmente graves porque têm um efeito não apenas individual, mas também coletivo, na medida em que a sociedade se vê impedida de conhecer a verdade sobre a situação de respeito ou de violação dos direitos das pessoas sob a jurisdição de um determinado Estado”, afirmaram os juízes na sentença.
O Tribunal também reforçou que o contexto de trabalho da vítima, à época, não foi considerado nos processos judiciais do caso. “Caso houvesse sido considerado, eventualmente teria sido factível identificar os interesses econômicos e políticos que poderiam ter sido afetados pelo exercício do trabalho do senhor Sales Pimenta, em particular no âmbito da decisão judicial que reverteu a expulsão de 150 pessoas das terras reivindicadas por fazendeiros, decisão que tinha sido proferida em virtude de um recurso apresentado pela suposta vítima pouco tempo antes de sua morte”. Além disso, a Corte pontuou que Gabriel Pimenta foi vítima de uma “impunidade estrutural” em crimes contra trabalhadores rurais e defensores de seus direitos, no Pará, ou seja, Pimenta não foi vítima de um caso isolado.
“A Corte conclui que o presente caso está inserido no contexto de impunidade estrutural relacionado a ameaças, homicídios e outras violações de direitos humanos contra os trabalhadores rurais e seus defensores no Estado do Pará. Ao mesmo tempo, esta impunidade estrutural se reflete na falta de devida diligência analisada no caso em estudo. Com efeito, conforme decorre dos autos, a grave negligência dos operadores judiciais na tramitação do processo penal, que permitiu a ocorrência da prescrição, foi o fator determinante para que o caso permanecesse em uma situação de absoluta impunidade”.
José Batista, advogado da Comissão Pastoral da Terra, organização que juntamente com a CEJIL (sigla em inglês para Centro pela Justiça e o Direito Internacional) levou o caso ao Sistema Interamericano, em Marabá declarou: “a sentença da mais alta corte de Direitos Humanos das Américas, condenando o Estado Brasileiro por não proteger, não investigar nem punir os responsáveis pelo assassinato do Advogado Gabriel Pimenta, tem um peso histórico e um valor simbólico muito grande para os camponeses e suas lideranças, que fazem a luta pelo acesso e premência na terra no Brasil. Reforça ainda a luta das entidades de defesa de direitos humanos pela defesa da vida, contra a violência e a impunidade dos crimes que ocorrem no campo”.
O irmão de Gabriel Pimenta, Rafael Pimenta, concluiu: “Passados quarenta anos do crime contra o Gabriel, perpetrado por representantes do latifúndio, dos madeireiros e dos mineradores, que até hoje dominam o Brasil, a condenação da Corte Interamericana contra o Estado brasilerio foi um marco muito importante na luta pela defesa dos defensores de direitos humanos. Gabriel era um advogado de direitos humanos, um advogado dos trabalhadores sem terra e da população desassistida pelo Estado brasileiro. É uma vitória do Gabriel, é uma vitória dos direitos humanos e é uma vitória do povo brasileiro”.
Em razão das violações, a Corte ordenou as seguintes medidas de reparação ao Brasil:
- criar um grupo de trabalho com a finalidade de identificar as causas e circunstâncias geradoras da impunidade e elaborar linhas de ação que permitam superá-las
- publicar o resumo oficial da sentença no Diário Oficial da União, no Diário Oficial do Estado do Pará e em um jornal de grande circulação nacional, assim como a sentença, na íntegra, no site do governo federal, do Ministério Público e do Poder Judiciário do Estado do Pará;
- realizar um ato público de reconhecimento de responsabilidade internacional em relação com os fatos do presente caso;
- criar um espaço público de memória na cidade de Belo Horizonte, no qual seja valorizado, protegido e resguardado o ativismo das pessoas defensoras de direitos humanos no Brasil, entre eles o de Gabriel Sales Pimenta;
- criar e implementar um protocolo para a investigação dos delitos cometidos contra pessoas defensoras de direitos humanos;
- revisar e adequar seus mecanismos existentes, em particular o Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas, nos âmbitos federal e estadual, para que seja previsto e regulamentado através de uma lei ordinária e tenha em consideração os riscos inerentes à atividade de defesa dos direitos humanos;
- pagar as quantias fixadas na sentença a título de dano material (US$ 100 mil), imaterial (US$ 280 mil), custas e gastos (US$ 32.500).
Julgaram o caso os juízes Ricardo C. Pérez Manrique, presidente (Uruguai); Humberto Antonio Sierra Porto, vice-presidente (Colômbia); Eduardo Ferrer Mac-Gregor Poisot (México), Nancy López (Costa Rica), Verónica Gomez (Argentina) e Patricia Pérez Goldberg (Chile). O juiz brasileiro Rodrigo Mudrovitsch não fez parte da deliberação e assinatura desta sentença porque o regulamento da Corte não permite a participação em casos do país de origem.
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Com informações de: Comissão Pastoral da Terra; Portal JOTA.