Leia aqui o artigo “DEFENDER OS SERVIÇOS PÚBLICOS É COMBATER O CORONAVÍRUS”

Danielle Teles da Cruz

08/05/2020

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A pandemia de COVID19 vivenciada nos últimos meses nos leva para uma grave e profunda crise humanitária capaz de mostrar as fissuras presentes em uma sociedade, sejam elas no campo moral, ideológico, socioeconômico e/ou político. E com as fissuras diante dos nossos olhos somos convocados a refletir sobre uma série de questões que passam, sobretudo, pela garantia da dignidade da pessoa humana sob as lentes do que deveria ser um processo de construção social e coletiva em prol dos princípios da solidariedade e da justiça social.

No discurso oficial negacionista e terraplanista emitido pelo governo genocida, aliado ao imaginário construído pela grande mídia e a ausência de reflexões críticas e à luz da ciência, o vírus COVID19 parece não ter predileção por gênero, condição social, raça, raça/cor, orientação afetivo sexual e tantos outros determinantes sociais. Realmente, o vírus do ponto de vista estritamente biológico pode ser democrático, mas a pandemia e suas repercussões não são democráticas. O contexto de emergência sanitária acentua de forma vertiginosa o processo de vulnerabilização de grupos sociais e sujeitos já expostos à imensa desigualdade social. Assim, a conta à ser paga recai sobre aqueles que já sentem o peso histórico da democracia forjada pela sociedade brasileira.

A barbárie já está entre nós e o acúmulo de experiências vivenciadas por outros países no contexto dessa pandemia (sem precedentes históricos) e também aquelas que acumulamos durante outros momentos críticos indicam que não há soluções privadas e mercadológicas para que possamos enfrentar a pandemia e nos reerguemos. O Estado e os serviços públicos assumem papel central e de fundamental importância para minimizar as consequências da pandemia e garantir o direito à vida e à morte digna. Principalmente, numa realidade de crise como a que vivenciamos, se os serviços públicos estivessem ausentes, estaríamos completamente à deriva e fadados à negligência deliberada e seletiva do neoliberalismo.

No Brasil, a importância dos serviços públicos parece ganhar contornos ainda mais robustos que se justificam por 3 elementos importantes para essa análise. Os serviços públicos vêm agonizando e resistindo há anos para existir com qualidade e eficiência e tendo a dupla tarefa de se fazer presente com recursos insuficientes, baixa (ou até mesmo ausência) valorização dos servidores e mais recentemente a culpabilização pelo inchaço da máquina pública e pela crise econômica. O segundo elemento sustenta-se na imensa desigualdade social, crescimento da pobreza e aumento do desemprego. Por último, a posição irresponsável, austericida e criminosa do presidente da república, seja em suas ações ou omissões, que tende pela banalização da vida das pessoas. Amargamos hoje, aproximadamente 9 mil mortes confirmadas por COVID19 segundo o Ministério da Saúde. Número esse subestimado, mas que poderia ser bem maior se não fosse o esforço hercúleo de todos os servidores que no cotidiano configuram a manutenção dos serviços públicos mesmo diante do cenário apresentado.

Essa crise sanitária evidencia a fragilidade da lógica neoliberal e de suas representatividades subjetivas; nos mostra que os países que tiveram uma melhor reposta são aqueles que tentaram recuperar o Estado de bem-estar-social por meio da qualidade dos serviços públicos e da lógica da solidariedade e da defesa dos direitos socais. Pesquisadores e cientistas de todo o mundo estão nesse momento enfrentando uma corrida em busca de compreender o comportamento do vírus para a produção de vacinas e medicamentos capazes de conter a pandemia. Contudo, até que consigamos atingir esse patamar, a ciência aponta que a única solução é o isolamento social horizontal (mesmo com todas as dificuldades e problemas advindos com essa conduta) na perspectiva da prevenção e controle do número de casos e óbitos. Simultaneamente, serviços de saúde estão sendo organizados para atender os quadros sintomáticos e um grande contingente de serviços públicos de naturezas diversas, obedecendo a lógica da transversalidade e do conceito ampliado de saúde, se fazem presente para garantir o que nos resta em termos de qualidade de vida e também para o funcionamento do país garantindo atendimento à população.

Assim, é evidente o papel grandioso do SUS e das instituições públicas de ensino e pesquisa no atendimento da população e na produção de insumos, tecnologia, conhecimento e informação. Contudo, não podemos esquecer dos outros serviços públicos essenciais como saneamento básico, água tratada, eletricidade, segurança pública, coleta de lixo e limpeza urbana, transporte coletivo, bancos públicos, Correios, entre outros. Todos esses serviços são fundamentais para o combate ao coronavírus. Para além que do que pulsa sob nossos olhos, basta pensarmos, por exemplo, nas questões que envolvem o auxílio emergencial. Mesmo com todas as ressalvas que recaem sobre esse recurso, não podemos deixar de mencionar que o desenvolvimento do aplicativo que permite o acesso ao CadÚnico só foi possível porque há toda uma engenhosa cadeia de produção que passa pelo Dataprev e pelo Serpro, que são empresas públicas. E toda a execução dos pagamentos sociais é feita pela Caixa Econômica Federal. Há ainda outros serviços públicos imprescindíveis sendo realizados de forma remota, como INSS e ações do sistema judiciário.

O coronavírus nos ensina que devemos rechaçar o mantra neoliberal e as falácias da superioridade dos serviços privados, do mercado que se autorregula, do falso dilema dicotômico entre saúde e economia, e de tantas outras representações subjetivas que o cercam. Nos mostra que é premente a busca da solidariedade perdida, do combate às desigualdades sociais, da valorização do discurso científico e da necessidade de alerta e defesa constantes em prol dos serviços públicos de qualidade que estejam voltados essencialmente para os interesses da coletividade e dos direitos constitucionais conquistados duramente ao longo de nossas lutas. Até que esse breve manuscrito chegue até você, caro (a) leitor (a), infelizmente teremos ultrapassado às 10 mil mortes no Brasil. Aproveito o espaço para deixar aqui minhas manifestações de respeito e condolência a todos e todas que perderam pessoas queridas vítimas da combinação da pandemia e do neofascismo que nos assola. Precisamos resistir às imposições do atual governo, que insiste em manter a órbita de uma política perversa, cruel, carregada de ódio e genocida…o caminho…é a continuidade da luta.