Confira entrevista com a professora Dina Faria
O Travessia, publicação trimestral da APES, traz em sua edição de Julho o especial Vida, trabalho e invisibilidades, para abordar os desafios do trabalho docente para as mulheres durante a pandemia. A matéria publicada na editoria de Cultura do jornal sintetiza a atual condição das docentes, num cenário que conjuga desigualdade de gênero, descaso com a educação pública e um governo genocida. Para traçar um painel das atuais condições das professoras durante este contexto, entrevistamos Amanda Moreira, Dina Faria, Renata Domingues e Sabrina Ferretti, docentes das redes federal, municipal e estadual de ensino, sobre os impactos do ensino remoto e da pandemia em suas vidas e dinâmicas de trabalho.
Confira a seguir a entrevista com a professora Dina Amara Meneses Faria, que atua na Escola Municipal Menelick de Carvalho e na Escola Estadual Delfim Moreira, ambas em Juiz de Fora.
APES – Na condição de mulher, mãe (se for o caso) e professora, como você tem vivenciado a experiência da pandemia?
Dina: Sou mãe de um adolescente de 14 anos e professora das redes municipal e estadual de Juiz de Fora. Antes da pandemia, já era comum trazer trabalho para casa, visto que muito de nosso planejamento e das correções são feitas fora da escola.
Assim como ocorreu em outras profissões, a pandemia escancarou as dificuldades do cotidiano dos profissionais do magistério. A falta de uma condução clara do governo foi nosso primeiro problema. A seguir, com a constatação de que a duração da epidemia seria maior que o imaginado, foi iniciado um trabalho remoto diverso em cada uma das redes e nossas casas foram tomadas por nossas atividades de trabalho. Nossa casa, nossos telefones e computadores tornaram-se não só sala de aula; mas, também, secretaria, sala de reuniões e local de atendimento a alunos e seus responsáveis.
Convivo com uma organização na escola em que meu filho estuda, outra na rede estadual e uma terceira organização na rede municipal; o que é reflexo da inação do Poder Público em pensar de forma sistematizada e com seriedade na condução das políticas educacionais em tempos de pandemia.
APES – Pesquisas apontam que houve, na pandemia, intensificação, uberização e youtuberização do trabalho docente. Como esta precarização generalizada é vivenciada pela mulher docente?
Dina: As pesquisas que apontam essa intensificação mostram uma parte da realidade, que é bem mais dura do que é mostrada. As demandas foram elaboradas para uma realidade utópica: nossos equipamentos de trabalho, muitas vezes, não deram conta da demanda; os custos com esses equipamentos, internet e luz passaram a ser de nossa responsabilidade em um momento em que tudo subia e que alguns pagamentos foram suspensos; muitas estratégias precisaram ser criadas para chegar aos nossos alunos que vivam as mais diversas realidades; muitas atribuições foram atribuídas à escola – como a busca ativa e a distribuição de alimentos – sem que houvesse uma contratação de profissionais para esses fins. Tudo isso, misturado aos cuidados com a casa e com a família.
Muitas pessoas e profissões foram para o trabalho remoto e mantiveram os seus horários de trabalho e suas demandas. No nosso caso, além de nos apropriamos de novas ferramentas e termos que criar novas estratégias, precisamos contornar a questão de famílias que não têm equipamento para o aluno usar, com as quais só se consegue contato quando o responsável chega do trabalho. Assim, deixamos de ter hora para atender aos alunos e responsáveis; precisamos orientar familiares que não sabiam como lidar com as questões escolares; lidamos com adolescentes que precisavam cuidar dos irmãos ou da casa; precisamos driblar a falta de meios dos alunos a terem acesso ao que era proposto. Tudo isso dentro de casa, como se nossa vida fosse apenas o trabalho.
Tudo isso regado a uma enorme romantização. Mais uma vez, o magistério é visto como vocação e não como uma profissão que merece respeito e condições dignas de trabalho e salário justo. Atitudes desumanas foram vistas como heroísmo e, mais uma vez, a escola precisou tapar os buracos deixados por uma condução que não deu a muitos de nossos colegas de profissão e alunos os meios para que pudéssemos entregar à população uma educação pública de qualidade.
APES – Como você analisa as pressões sofridas por instituições e docentes ao retorno presencial das atividades escolares, no atual momento da pandemia?
Dina: É preciso dar às coisas o devido nome. Embora a pandemia tenha demonstrado que nada substitui a interação em sala de aula e a função do professor; nosso retorno é cobrado por questões que são da esfera da Assistência Social.
E, mais uma vez, temos uma visão romantizada de que a escola será o lugar seguro e acolhedor para as famílias que vivenciam uma realidade de insegurança alimentar e violência doméstica. Só esquecem que as escolas estão conectadas à comunidade e que, com a transmissão descontrolada, seremos nós a contaminar as nossas famílias e as pessoas que fazem parte da realidade escolar.
Há pressão para o retorno; mas não há recurso para as adequações necessárias, para compra na quantidade necessária de materiais de limpeza a EPIs. Isso sem falar que a imensa maioria das escolas não têm profissionais de saúde para fazer a triagem necessária e para o atendimento de um aluno que apresente sintomas. A educação é, mais uma vez, vista de forma distorcida como serviço essencial e não como direito essencial que precisa ser garantido pelo Estado.