Encontro político acontece dias antes de vazar um áudio que comprova o favorecimento de pastores pelo ministro
Um evento organizado por políticos de Governador Valadares foi realizado na sexta-feira, 17 de março, com a presença do Ministro da Educação Milton Ribeiro, com o objetivo de avançar no processo de emancipação do campus avançado da UFJF em GV. O encontro foi realizado na Prefeitura da cidade e transmitido pelo Instagram. Participaram do encontro o prefeito de Governador Valadares André Merlo (PSDB); o prefeito de Nova Módica, Walter Júnior Borborema (MDB); o prefeito de Resplendor e presidente da Ardoce, Diogo Scarabelli Junior (PP); o vereador Paulinho Costa (PDT); o deputado federal Hercílio Coelho Diniz (MDB); e o diretor do Campus GV da UFJF, Ângelo Denadai. O reitor Marcus David foi convidado, mas justificou sua ausência.
Como apontou em nota, a APES considerou o encontro como um atropelo à autonomia universitária e à democracia interna da UFJF, que sequer iniciou os debates a respeito de uma eventual emancipação do campus Governador Valadares. “O episódio soma-se a uma sequência de outros atropelos relacionados ao mesmo tema ao longo dos últimos anos, que foram repudiados pela APES e pelo próprio Conselho Superior da Universidade”, afirmou a nota.
No evento, para o qual as entidades representativas não foram convidadas, APES, Sintufejuf e DCE distribuíram um panfleto para denunciar a atual política federal para as universidades, com arrocho salarial, intervenção na escolha de gestores, corte de orçamento, desmonte das agências públicas de pesquisa e redução do investimento em pesquisas e bolsas. As entidades também denunciaram a situação de precariedade e falta de pessoal no campus GV e reivindicam o respeito à autonomia e à democracia das IFES e a ampliação do orçamento e recursos.
Além das entidades não terem sido chamadas ao evento, estudantes da UFJF-GV tiveram sua entrada na prefeitura barrada por seguranças. Ao conseguirem entrar no evento, ainda sofreram intimidação. A União da Juventude Comunista e o Partido Comunista Brasileiro de Governador Valadares/MG publicaram nota denunciando o ocorrido e apontando o caráter “pouco democrático” do encontro, “que só deu voz àqueles ideologicamente alinhados com os governos federal e municipal e sequer permitiu a fala de discentes, docentes e técnicos sobre o processo de emancipação, deixando de lado os atores que reconhecem, de fato, a realidade objetiva da UFJF-GV, seus problemas e suas necessidades”.
ARTICULAÇÕES
Na abertura, o prefeito André Merlo afirmou ao ministro que a criação da Universidade de Valadares ou do Leste de Minas é um “desejo dos valadarenses, dos políticos de Valadares, dos políticos da região de Valadares”. Afirmou ainda: “Nós sabemos que a universidade pode passar por alguns problemas e nós imaginamos que emancipando facilitaria a solução desses problemas”.
O diretor do campus Angelo Denadai relatou dificuldades na gestão pela distância da sede e afirmou que “existe uma vontade muito grande da instituição em prol dessa emancipação. É claro que existem preocupações que devem ser sanadas e para isso é fundamental que sigamos todo o rito (…) que seja feito tudo o que for necessário do ponto de vista administrativo, das discussões, para que possamos alcançar esse sonho.”
O Ministro Milton Ribeiro afirmou ter se reunido com o reitor Marcus David em Brasília e em seu discurso disse que compreende que existe um “caminhar quase litúrgico de processos como esses, e que em nenhum momento nós queremos ofender ou avançar sobre a questão da autonomia universitária, respeitamos o Conselho Universitário da UFJF. (…) No entanto, diante dos insistentes convites de duas pessoas que foram Leonardo Quintão e do Gustavo Brasileiro, meu assessor, acabei vindo para cá.” Leonardo Quintão é ex-deputado federal pelo MDB e filho de pastor evangélico. Gustavo Brasileiro é assessor especial do MEC.
PRIVATIZAÇÃO
Ao falar de forma mais concreta da emancipação do campus de GV, ou de uma nova universidade para a região, o ministro se eximiu de questões orçamentárias e de financiamento, lançando à iniciativa privada a concretização de um projeto de instituição para a região. “Nós vamos tomar os passos seguintes e não vamos falar em nada de obra, por enquanto, nada, nada de construção. Vamos caminhar academicamente e depois, num segundo momento, nós vamos ter a discussão sobre a construção, das obras, das verbas e, desde já, eu convoco as forças não apenas políticas, mas os empresários da região, para nos apoiar e, quem sabe, nos ajudarem a reconstruir os acessos ao campus, a construção, a doação, enfim, a gente vai encontrar caminhos para que toda a região do Leste de Minas possa contribuir para que nós possamos ter aqui uma Universidade Federal do Leste de Minas”. A fala indica bem o aspecto político dessa articulação e aponta um caminho de privatização da educação, projeto defendido e praticado pelo atual governo.
Em uma fala confusa, o ministro afirmou a laicidade do Estado, mas afirmou também que é cristão, não ateu. Afirmou também que a educação não tem partido e que “não podemos transformar o campus universitário em um gabinete, nem de direita, nem de esquerda”. Por fim, o ministro tentou se defender dos áudios vazados pela Folha de São Paulo, que mostram que Milton Ribeiro tentou beneficiar pastores em repasses de verbas da pasta a pedido de Bolsonaro. Durante o evento em Governador Valadares, o ministro afirmou que em 15 meses de sua gestão, ele encaminhou 700 prefeitos ao Tribunal de Contas da União. E defendeu a política de Bolsonaro para a educação.
CRÍTICA
O presidente da APES, Augusto Cerqueira, aponta para a urgência na solução de problemas sofridos pelo campus avançado em Governador Valadares e denuncia a falta de comprometimento do governo federal com o financiamento desta instituição, o que ficou explícito na fala de Milton Ribeiro. “É preciso urgentemente que se busque a solução para os problemas da UFJF-GV. A comunidade acadêmica não aguenta mais a falta de estrutura e a precarização das condições de trabalho e de estudo. Infelizmente, a fala do atual ministro da educação não indica essa intenção, muito pelo contrário, indica que não há abertura no atual governo para esse diálogo. É preciso que a comunidade acadêmica esteja atenta à fala do ministro, que indica uma emancipação sem obra, sem orçamento, uma emancipação que busque recursos junto à iniciativa privada. Esperamos que o debate interno da UFJF sobre a emancipação de GV seja realizado de forma democrática, com ampla participação da comunidade universitária e que possa, principalmente, mobilizar toda a comunidade para a luta pela solução dos problemas estruturais do Campus UFJF-GV.”