Professor Jorge Chaloub (UFJF) analisa as primeiras movimentações do presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) e indica as perspectivas políticas para 2019
Jorge Chaloub é doutor em Ciência Política pelo Iesp-Uerj e professor da Universidade Federal de Juiz de Fora. Ele falou ao SemanAPES sobre as perspectivas políticas para o próximo governo.
APES: Na composição de seus ministérios, Bolsonaro privilegiou uma composição baseada em bancadas temáticas, deixando para um segundo momento a aproximação com os partidos. Que tipo de articulação política pode-se esperar no novo governo em sua relação com a Câmara e o Senado?
Prof. Jorge Chaloub: Os primeiros movimentos do Bolsonaro indicam a intenção de se apoiar nas movimentações simpáticas a ele na sociedade para ampliar sua força na Câmara. A tática de aproveitar o impulso das eleições é antiga, mas as escolhas de composição do ministério rompem com o padrão do presidencialismo de coalizão que vinha funcionando na atual República, com a sintomática exceção do governo Collor. Os nomes antes apontam para certas forças do Estado e da sociedade, do que para os representantes no Congresso. O grande número de militares garante o Exército como fiador do governo, os ministros ligados aos neopentecostais mantém os evangélicos como grande suporte popular do governo, Paulo Guedes aparece como garantia de apoio de parte da burguesia, e celebridades do mundo jurídico, como Sérgio Moro, reforçam a simpatia de parte do sistema de Justiça ante o novo governo e confirmam seu apoio popular. Permanece, por outro lado, um padrão mais tradicional de relação com o Congresso, do qual Onyx Lorenzoni parece o principal representante, mas ele, até o momento, é secundário ante esses outros movimentos. Provavelmente ao longo do governo, a distribuição de recursos para políticos simpáticos ao governo será outra estratégia para conseguir apoio.
Muitas questões, todavia, permanecem em aberto. As eleições para a Câmara e o Senado serão momentos centrais nessa relação. O modo pelo qual uma bancada com muitos membros inexperientes vai atuar no Congresso é outro aspecto de grande relevância. Por fim, permanece a dúvida sobre a capacidade de Bolsonaro manter o apoio popular construído antes e durante a eleição, o que será determinante para sua atuação perante o Legislativo.
Um projeto de país que não pôde ser debatido durante as eleições ganha forma com a estrutura ministerial de Jair Bolsonaro. Quais seriam os eixos centrais desse projeto e como ele se sustentaria?
O projeto se concentra em duas ideias de ordem. Uma, que remete a certa tradição liberal, que vê no mercado o instrumento mais eficiente na construção da sociedade. Creio que ganha força no governo uma versão particularmente radical dessa perspectiva, até mais extrema do que a do neoliberalismo da tradição de Hayek e Mises. Paulo Guedes aponta mais para uma ideia de anarcocapitalismo, com a quase total recusa do Estado, do que para a ideia neoliberal da construção de um ambiente de concorrência e de uma natureza humana empreendedora a partir do direito privado.
Outra ideia de ordem decorre de uma tradição conservadora, mas que, em razão dos elogios que eventualmente faz ao mercado, pode ser vista como neoconservadora, já que concilia uma crítica às consequências pretensamente culturais da modernidade com uma adesão à modernidade econômica. Essa segunda ideia de ordem se funda em certa tradição cristã e vê uma sociedade construída a partir do conceito de família.
O neoconservadorismo e as versões mais radicais do liberalismo comungam de uma resistência ao público como lugar de definição dos interesses mais gerais, rejeitando uma tradição moderna que tem em Rousseau um dos seus patronos. Por isso a batalha no campo da educação, terreno privilegiado para formação de cidadãos, é tão central.
Mais do que grupos estanques, esses dois eixos são linguagens, conjugadas de forma distinta pelos diversos grupos no poder: militares, juristas, líderes religiosos e políticos. O modo de articulá-los pode ser objeto de confrontos, já que o governo, distintamente do que por vezes se afirma, é composto por coalizão extremamente instável, onde os confrontos já delineados tendem a ganhar cada vez mais força.
Especialistas afirmam que o grande desafio para a aceitação desse projeto na sociedade civil é econômico. O que podemos esperar nesse sentido?
A economia é sempre central no sucesso de governos, mas não se pode reduzir todo sucesso a ela. O cenário é de incerteza, mas não é improvável um bom desempenho econômico inicial segundo os critérios de crescimento do PIB, dada a enorme capacidade ociosa da economia, já que parte da burguesia recorreu a explícita redução de investimentos como forma de pressionar os governos anteriores. Tal crescimento provavelmente virá, entretanto, com concentração de riqueza, o que pode provocar insatisfação nos setores mais pobres da população.
A radicalidade de algumas propostas no campo da política externa, das minorias e do meio-ambiente também pode prejudicar os vínculos externos desse projeto, que acabariam dependentes de um governo americano altamente instável, o que seria, sem dúvida, terrível para a economia brasileira.
Qual o lugar das pautas morais nesse processo de mudança que o futuro governo pretende colocar em prática?
A moral é um terreno central na construção da coalizão que hoje governa. Um dos modelos retóricos mais eficientes do bolsonarismo é sua capacidade de remeter todos os confrontos políticos para o terreno da moral. Essa moralização das mais diversas esferas da vida reforça sua imagem pública e justifica toda sorte de perseguições contra seus adversários, já que reconstrói o jogo político nos termos de um confronto entre bem e mal. Numa batalha contra o mal, todas as armas são legítimas, o que justifica a radicalidade do discurso bolsonarista contra as esquerdas e o sistema político como um todo.
Qual o impacto das denúncias de corrupção que já atingem o futuro governo?
Ainda é muito difícil precisar seu impacto. Por um lado, traz evidente instabilidade e algum custo ao governo. Por outro, o bolsonarismo foi de tal modo eficiente na criação de canais privilegiados com a parte da população com a qual ele pretende governar – o que passou por forte processo de deslegitimação das mídias tradicionais – que é extremamente difícil prever o modo como essas notícias serão recebidas por seus mais ardentes apoiadores.