Continuando a série de entrevistas Pandemia e Política, conversamos hoje com Rodrigo Daniel de Souza, Infectologista do HU-UFJF, Chefe do Setor de Vigilância em Saúde e Segurança do Paciente.
1 – Qual é o papel que o HU cumpre no enfrentamento da pandemia, tanto na linha de frente, no tratamento direto com os pacientes de Juiz de Fora e da região, quanto no desenvolvimento de estudos e pesquisas sobre a Covid 19?
O Hospital Universitário disponibilizou desde o início da pandemia novos leitos. Ele não destinou leitos já existentes de UTI para o enfrentamento da epidemia, mas ele criou novos leitos equipados como UTI, de modo que ampliasse o número de UTIs na cidade permitindo assim absorver o aumento da demanda. O HU tem toda essa contribuição em relação a treinamento, produção de materiais educativos, de materiais de instrução de trabalho que são compartilhadas no site e que muitas outras unidades de saúde utilizam como base para elaborar suas próprias, com adaptações. Existem pesquisadores envolvidos em diversos trabalhos relacionados à Covid-19, de diversos setores, e também com a educação de todos os seus trabalhadores, e com isso a multiplicação do conhecimento, já que os trabalhadores não são exclusivos, e eles levam o conhecimento aqui adquirido para outras instituições, onde talvez esses treinamentos sejam menos frequentes ou não existam.
2 – Como estão as condições de trabalho dentro do Hospital? As equipes de trabalho têm recebido material de proteção? Existe pessoal suficiente para o trabalho? A EBSERH tem garantido o suporte necessário para o combate à Covid 19?
As condições de trabalho no Hospital Universitário estão adequadas. Com a desativação de alguns serviços na Unidade Dom Bosco e a concentração dos trabalhadores na Unidade Santa Catarina, isso permitiu que não houvesse uma sobrecarga de trabalho dos profissionais e o Hospital tem conseguido fornecer todos os EPIs indicados pela norma técnica, com um controle muito grande dos serviços de saúde do trabalhador e da CCIH, o controle de infecção hospital. Dessa forma consideramos que conseguimos ter um diferencial e sempre que possível colocamos estratégias adicionais de segurança, que vão além da norma.
3 – Como está o nível de contaminação do pessoal que trabalha na linha de frente? Quais são os procedimentos para evitar a propagação do vírus entre os profissionais?
O nível de contaminação dos profissionais que estão na linha de frente ainda é muito baixo. A gente não tem controle sobre os profissionais porque a maior parte dos profissionais infectados trabalham em diferentes instituições. Por isso não conseguimos ter certeza de onde ele adquiriu, e até mesmo ele pode adquirir na comunidade. Mas o número de profissionais infectados é muito baixo, o que não levou a grande preocupação de uma ação difrente do que já estamos fazendo.
4 – Como está a ocupação de leitos e UTIs dentro do HU? A falta de vagas pode se tornar uma realidade com o avanço da epidemia?
Hoje o grande problema para essa patologia vai ser a falta de vagas nos leitos de UTI. O Hospital Universitário tem trabalhando na maior parte dos dias com todos os seus leitos ocupados. Mas são poucos leitos, são de ocupação rápida, e um paciente que muitas das vezes demora para ter alta desses leitos. Então, só a ocupação do Hospital Universitário pode não representar a realidade da cidade. Esse dado é importante quando analisado em conjunto.
5 – A prefeitura de Juiz de Fora está realizando uma flexibilização no isolamento. O que você acha dessa medida? E quais seriam as consequências para o combate à epidemia dentro dos hospitais?
As pessoas tiveram uma ideia diferente dessa flexibilização. O que tem nela não é uma flexibilização progressiva, mas um conjunto de regras que vão permitir essa flexibilização futura. Num primeiro momento, essa primeira onda que existiu são os serviços essenciais, que pouco diferia do que já havia sendo feito. Se caminhar para uma segunda onda, uma terceira onda, existem critérios muito objetivos em relação ao número de casos, a progressão da doença. Então não é um programa irresponsável. Só é um programa que estabelece metas, e que se essas metas estiverem acontecendo, o comércio pode ir reabrindo, as empresas podem ir reabrindo. Se for seguido de forma rigorosa, ele não apresentará grandes impactos no número de casos.
6 – Como a política de combate à epidemia do Governo Federal tem afetado a disseminação da Covid 19?
Muito se fala da política do governo federal, mas o problema é que existem políticas diferentes em diferentes esferas e às vezes, em alguns momentos, existem algumas atitudes que não representam o que os documentos vêm trazendo. Em relação aos órgãos de controle, às agências, como a Anvisa, em nenhum momento suas deliberações foram baseadas fora de critérios científicos. Então ela tem feito indicações rigorosas de recomendações de tratamento, de acompanhamento desse paciente dentro da instituição e isso reflete muito bem na segurança que o trabalhador tem quando essas normas são seguidas. Em relação a alguns tratamentos, que às vezes foram discutidos, a comunidade médica tem total capacidade de julgar o que ela deve ou não deve fazer. O grande problema é que, em relação a alguns medicamentos, a falta de evidência é tanto para não recomendar como também para recomendar. Então não há uma ausência de evidência para falar que não é para recomendar. Essa que é a grande dificuldade. Vamos ter que aguardar algumas coisas e a discussão não pode ser política, tem que ser uma discussão técnica. E ninguém sabe muito sobre essa doença e esse desconhecimento afeta o poder de decisão das pessoas.
7 – Vemos notícias circularem nas redes, relatando novos sintomas, alojamento do vírus em partes do corpo até então não conhecidas, contaminação pelo vírus via entrada dos olhos, etc. O que há de verdade em tudo isso?
A medida que a doença vai ficando mais conhecida, e com o aumento do número de casos, casos diferentes do que se esperava inicialmente vão ocorrendo. Então, devemos ter ciência de que não há um conhecimento prévio, não existem especialistas nessa doença. Existem especialistas em algumas doenças que estão estudando, neste momento, o que fazer para o enfrentamento da Covid-19. Sintomas que pareciam às vezes ser pouco frequentes, como a perda do olfato, claramente hoje são sintomas que são muito mais frequentes do que se esperava inicialmente. E agora alguns acometimentos de alguns órgãos, algumas doenças, algumas vasculites principalmente nas crianças, começaram a haver relatos. Mas continuam sendo formas raras em crianças, Em relação aos adultos, a cada dia se traz mais uma informação e mais apresentações, e a gente vai aprender muito com essa doença, vamos aprender a lidar com ela com o passar do tempo. E muito do que a gente fazia anteriormente vai ser mudado.