Seguem as atividades da 10ª Jornada Universitária em Defesa da Reforma Agrária Popular. Na noite de segunda-feira, após o banquetaço com produtos do MST e da apresentação do bloco Pisa Ligeiro, o anfiteatro do ICH contou com a Mesa Redonda: Reforma Agrária Popular: disputas, movimentos e projeções para a Agenda 2030: Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.
A noite foi aberta com a presença da dirigente do MST, Michele Capuchinho, que destacou a importância da UFJF no apoio ao Movimento e resgatou um momento histórico em que o MST veio buscar apoio da instituição para a alimentação da Marcha dos Sem Terra, em conversa com o então Pró Reitor Marcus David.
Este, agora como Reitor da UFJF, também estava presente na abertura e relembrou que, dentre os ataques que a universidade sofreu nos últimos anos, o pior foi o questionamento que ela recebeu sobre sua legitimidade e relevância. Ressaltou a importância da instituição na produção de conhecimento, na extensão, na divulgação da arte e cultura e na avaliação crítica da própria sociedade, tendo por base sua autonomia para questionar e “incomodar” no sentido progressista da palavra. Para ele, a universidade, ao apoiar a JURA, faz justamente esta função.
A Mesa
Após a rápida abertura, tomaram assento à mesa o mediador do encontro, Prof. Leonardo Silva Andrada, da direção da APES, e os convidados e convidadas: Profa. Dra. Mônica Grossi (UFJF e ENFF); Dra. Kíssila Teixeira Mendes (UniAcademia, doutora em psicologia pela UFJF); Cleidinei Zavashi (Mestre em Ciências Sociais pela UNB e Dirigente Estadual do MST); Fabíola Paulino da Silva (Secretaria de Agricultura, Pecuária e Abastecimento de Juiz de Fora.
O professor Leonardo deu início à mesa, destacando a função da universidade no apoio à luta no campo. “A questão agrária é o nó fundamental da sociedade brasileira, porque é a base que sustenta o setor mais retrógrado das elites dominantes do país. Os lutadores que se envolvem com o avanço dessa questão enfrentam uma batalha duríssima e contam com a nossa admiração e nosso apoio, no sentido do papel que a universidade exerce de desenvolvimento do conhecimento, promovendo, de tempos em tempos, e permanentemente, a discussão sobre essa questão em seus múltiplos aspectos”.
Agroecologia e soberania alimentar
A professora Mônica Grossi fez um resgate da universidade e sua parceria histórica do MST, com os professores e professoras militantes e produtores de conhecimento sobre a questão agrária, que desde 2002 realizam a Jornada.
Ela relembrou, em sua fala, que o país nunca fez a reforma agrária. “O que existe até hoje é fruto dos movimentos sociais e do protagonismo do MST”. Ela teceu críticas ao objetivo de desenvolvimento sustentável colocado pela agenda 2030, por conta de sua vinculação com o modo capitalista de produção, que é incompatível com a sustentabilidade ecológica e social. As metas colocadas só se concretizarão, segundo ela, com muita luta dos movimentos sociais.
Afirmou que a fase atual de crise civilizatória e ambiental são reflexos da crise estrutural do capital, em sua fase neoliberal e financeira. “No campo, temos a hegemonia do agronegócio que é a estratégia capitalista de apropriação dos recursos naturais que deveriam ser coletivos”. Uma estrutura que tem em sua base uma tecnologia devastadora para o ambiente e para os trabalhadores, que pretende o controle do comércio de alimentos e de toda a cadeia alimentar, tendo como consequências o aumento da insegurança alimentar, da concentração de terra e da fome.
Dentre as alternativas, uma das estratégias para o fortalecimento da reforma agrária popular, seriam a agroecologia e a soberania alimentar, “que são questões muito mais políticas do que técnicas para além de uma questão produtiva”, ações que, apesar de suas questões técnicas, versam também sobre como produzir de maneira coletiva e solidária. Destacou ainda a centralidade da soberania alimentar, que tem entre seus pilares a alimentação como direito coletivo e não como uma mercadoria, uma luta que envolve as organizações tanto do campo quanto da sociedade.
Avanço capitalista sobre os recursos ambientais e territórios
Cleidinei Zavashi trouxe as reflexões coletivas do MST sobre as mudanças atuais nas lutas agrárias. Inicialmente salientou que o movimento não quer discutir a mesma reforma agrária proposta por organizações capitalistas, mas a reforma agrária popular que ganha esta última definição: “popular”, como modo de se diferenciar das propostas privatistas e exploratórias advindas do sistema.
Ele relembra que vivemos um momento de crise do modelo capitalista, em que não é possível a recomposição das taxas de lucro do capital. Fato que impacta diretamente na luta pela terra e pelos recursos naturais do mundo. Para o sistema, o objetivo não pode mais ser dar acesso à terra a todos, visando um desenvolvimento econômico, mas torna-se necessário tomar posse total dela.
Para ele, outro elemento fundamental é a mudança na geopolítica para um mundo multipolar, em que a reforma agrária ganha novas frentes de luta, já que o capitalismo avança para combater camponeses sem terra, indígenas e povos que apresentem resistência ao modelo.
Ele aponta ainda a transição da luta da bancada ruralista no congresso nacional, que até pouco tempo pregava a tecnologia aplicada ao campo, para aumento de produtividade, mas que agora prega o domínio de território, o avanço sobre o conceito de propriedade coletiva presente na legislação ambiental, nas terras indígenas e quilombolas, com mudanças no código florestal, visando “restabelecer” o direito à propriedade privada. Assim o inimigo agora é todo aquele que se compromete com a luta pelo uso coletivo da terra. “O MST hoje é um dos inimigos fundamentais da extrema direita, que criou a CPI para criminalizar o movimento. O primeiro ponto a ser entendido é que o MST é o símbolo da esquerda e do enfrentamento ao machismo, ao patriarcado e ao racismo. É, atualmente, o pára choque da luta da esquerda. O segundo ponto é que combater o MST é bater nos indígenas, nos ambientalistas, nos povos da resistência”.
A formação da consciência coletiva
Dra. Kíssila Teixeira Mendes falou da questão da criação da consciência de classe, consciência coletiva, em contraposição à consciência privatista. Para ela, é dentro dos movimentos sociais o local de luta onde é possível modificar a situação de uma consciência privatista que é hegemônica na sociedade capitalista para uma consciência coletiva. É por meio do trabalho coletivo, da ação dentro na propriedade coletiva da terra que esta transformação se dá, com o desenvolvimento das relações de cooperação, a modificação das relações de trabalho, o estudo e a formação política, junto com o trabalho de base em um trabalho árduo, que essa nova consciência é forjada. Fato que impacta direto na questão da luta por um desenvolvimento sustentável de emancipação humana e a superação da consciência privatista que é um desafio de todos.
Juiz de Fora e o MST
Fabíola Paulino da Silva fez um relato das ações da administração atual da cidade em aproximação aos movimentos sociais, em particular ao MST, dado que a prefeita, tanto como reitora, quanto como deputada, sempre manteve uma relação estreita com os movimentos.
Ressaltou a importância da JURA como formação contra hegemônica e apontou a importância das ações das entidades, desde os primeiros assentamentos próximos da cidade, como na cidade de Rio Branco e depois em Goianá.
Fez um relato da tomada de consciência de funcionários da EMATER sobre a importância de se dar assistência aos trabalhadores do campo ligados ao MST, com a oportunidade de conhecer o movimento de perto e fez um comparativo com o apoio municipal em Juiz de Fora ao MST, que possibilitou uma aproximação dos trabalhadores do município com o movimento. Falou ainda da criação do Armazém do Campo, com o apoio total da prefeitura municipal. Outro avanço dentro da política pública, segundo ela, foram as compras institucionais que a PJF realiza de produtos de cooperativas ligadas ao movimento, vindos da agricultura familiar e dos assentamentos, realizando assim o apoio à agricultura sustentável, fortalecendo uma cadeia de sustentabilidade além de construir a consciência da importância do movimento e das lutas ligadas ao MST, contra o patriarcado, contra o machismo, o racismo etc.