A comunidade acadêmica de todo o país tem se debruçado, nos últimos dias, sobre o programa ministerial Future-se. O programa, que pretende mudar radicalmente a forma de financiamento e gestão das instituições federais de ensino (IFE), foi apresentado pelo MEC aos dirigentes das IFES em julho, em pleno recesso das atividades acadêmicas.
Já são 10 universidades rejeitando o projeto
Até o momento, mais de 40 universidades criticaram o projeto e 10 já se manifestaram pela não-adesão ao programa: Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), Universidade Federal de Roraima (UFRR), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Universidade Federal do Amapá (Unifap), Universidade Federal do Rio Grande (Furg), Universidade Federal do Ceará (UFCE), Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Universidade Federal do Amazonas (UFAM) e Universidade Federal de São João del Rey (UFSJ).
O Future-se tenta se vender como uma maneira inovadora de inserção das instituições públicas no mercado, e das pesquisas e pesquisadores brasileiros em um circuito internacional. Entretanto, o que o projeto tem em suas linhas e entrelinhas, é a retirada da autonomia de gestão das instituições. Como afirma a presidente da APES, Marina Barbosa, isso significa a destruição de um modelo de aprendizado que “resgata uma construção histórica da humanidade sobre conhecimento; quebra o etos e o papel de formação das universidades, com ensino, pesquisa e extensão imbricados; e inverte a lógica entre o chão de fábrica e as instituições de ensino na produção da inovação”. A professora ressalta ainda que o projeto substitui o papel do professor na produção de conhecimento pela figura do professor empreendedor, e mina a produção coletiva de conhecimento, estimulando uma concorrência individual na captação de recursos.
Autonomia de gestão
Como explica o pró-reitor de Planejamento, Orçamento e Finanças da UFJF, professor Eduardo Condé, a proposta do Future-se cria uma lógica que pode afetar a atual forma de planejamento e execução financeira das instituições. Atualmente, esta forma é baseada na Lei Orçamentária, que pode liberar (ou contingenciar) recursos que serão distribuídos entre Manutenção, Custeio e Investimento. Como reforça o pró-reitor, a partir daí, as instituições têm autonomia para fazer os processos de aquisição, pagamento de bolsas, etc., todos aprovados em instâncias participativas no âmbito de toda a universidade.
Para Condé, “o projeto de lei não é claro sobre uma enorme quantidade de procedimentos operacionais”, deixando margem para muitas dúvidas, em especial sobre a questão dos Fundos e das Organizações Sociais. Como esclarece Condé, o programa propõe a criação de um Fundo de mercado financeiro, “que vai ser utilizado com recursos da união, teria gestão profissional e vai funcionar por regras externas à universidade”. Já as Organizações Sociais “são as que podem receber os recursos públicos, assinando contrato de gestão com as universidades.” Para Condé, “aceitar o Future-se significa terceirizar boa parte da gestão da universidade para as Organizações Sociais, o que tira a autonomia da universidade. E os Fundos são uma grande incógnita. Nossa grande dúvida é o que ele vai efetivamente financiar. Se ele teria condições de continuar financiando áreas de pesquisa pura dentro da universidade, ou área de pesquisa de humanas, ou se ele somente vai se interessar em fazer financiamento daquilo que puder trazer algum tipo de retorno ao próprio fundo”.
Confira aqui a entrevista na íntegra
Política de Internacionalização
Outro eixo importante do projeto é a política de internacionalização. Para a Diretora de Relações Internacionais da UFJF, professora Bárbara Daibert, “o projeto parece desconhecer absolutamente o que é feito nas IES do Brasil”. Como explica a diretora, atualmente, a UFJF ocupa o 8º lugar no ranking de internacionalização (Folha de São Paulo), conta com bolsas de intercâmbio, programa de ensino de idiomas, e tem atualmente 150 acordos com instituições no exterior em atividade, o que permite uma grande circulação de conhecimento através de seus estudantes e docentes.
A despeito disso, o Future-se apresenta uma série de equívocos e propostas que podem alterar profundamente esta política de internacionalização em andamento.
Um dos pontos críticos seria o artigo 21 do projeto, que afirma que “o poder executivo disciplinará a política de internacionalização de conhecimento”. Como afirma Bárbara, o artigo inverte a lógica atual de construção da política de internacionalização, “de baixo para cima. A política é construída no Fórum, depois ela vai pro Conselho, ela vai para o Congrad, vai para o CSPP, vai para o Consu, depois ela é discutida nos nossos fóruns, na Andifes, CGRIFES, enfim, isso é construído coletivamente. Não é disciplinada pelo governo federal.”
Em relação às bolsas de intercâmbio, Daibert afirma que o projeto do governo reforça o desempenho acadêmico e/ou atlético, excluindo o critério sócio-econômico que atualmente também é considerado pela UFJF, e que beneficia estudantes de baixa renda. Além disso, o projeto fala em premiações para estudantes que não tenham “desabono de sua conduta”. A diretora considera este ponto preocupante, por deixar margem para a influência de critérios político-ideológicos.
Assim como o professor Condé, Daibert reforça que em muitos pontos o projeto não é claro sobre como colocará em prática suas intenções. Quem financiará a vinda de “professores renomados”? Quem pagará as bolsas que, atualmente, vem de recursos próprios da universidade? Para ela, “na sua essência o projeto tem que ser rediscutido, porque ele está baseado em premissas que não são as que a gente defende. Que é de uma universidade pública, de ensino gratuito, de qualidade, e com autonomia, que é o principal”.